“Good is the enemy of great... That is one of the key reasons why we have so little that becomes great... Few people attain great lives, in large part because it is so easy to settle for a good life. The vast majority of companies never become great, precisely because the vast majority become quite good and that is their main problem.”
(Good to Great, Jim Collins, HarperCollins Publishers, 2001)
Muito se tem falado ultimamente na relação entre “boa” prática de governança corporativa e abertura de capital (IPO) bem sucedida. E a experiência mostra que esta relação é positiva... quanto melhores e “excelentes” as práticas de governança, maiores as vantagens da empresa que está abrindo o capital. Buscar a excelência traz resultados positivos e concretos para a empresa. Esta carta tem a intenção de explorar este tema desde suas origens, mostrando um pouco do que vem acontecendo nesta área no Brasil ultimamente, a evolução da governança em empresas familiares, exemplos recentes de IPOs, assim como suas vantagens e desvantagens de acordo com a estratégia da empresa. O nosso mercado de capitais vem se modernizando nos últimos anos, estabelecendo parâmetros e regras que são condizentes com as adotadas pelo mercado internacional.
Um Pouco de História
O surgimento da Bolsa de Valores como uma prática regular de negócios resulta da presença de dois instintos humanos que nos acompanham em qualquer lugar e em qualquer época: a propensão à troca, ao escambo de um produto ou mercadoria por outro, e a forte tentação de prever o que irá ocorrer no futuro. No pré- capitalismo os negócios eram feitos pessoalmente, confiando-se na palavra do contratante. Hoje, é um mundo sem rosto, não é um encontro de pessoas físicas, quem compra não aparece, quem vende tão pouco, as transações tomaram dimensões globais e são feitas por meio eletrônico ou de operadores.
Para alguns historiadores, a Bolsa de Valores surgiu na Roma antiga, para outros, na Grécia, nas mais remotas civilizações, onde comerciantes se reuniam nas praças para tratar de negócios. No século XII, na França, surgiu a profissão de “courragier de change”, corretores que regulavam, administravam e comercializavam os débitos que as comunidades agrícolas tinham com os bancos. Foi nesta época que este comércio deixou as ruas, na cidade de Bruges in Flandres, na Bélgica, onde as pessoas se reuniam na casa de um homem chamado Van de Burse, o que eventualmente deu origem ao nome “Bourse”, sinônimo hoje da nossa “Bolsa de Valores” ou de “Stock Exchange” em termos globais, para designar este tipo de comércio.
No rastro da Bruges Bourse, entre as principais instituições, vieram a Bourse de Paris - fundada por Luís XII, a Amsterdan Bourse fundada em 1600, a London Stock Exchange em 1690, e a New York Stock Exchange em 1792 - que foi fundada por 24 corretores sob a sombra de uma árvore em Wall Street e hoje negocia 2800 empresas que somadas tem valor de mercado total aproximado de US$ 20 trilhões. No Brasil do século XIX, os corretores se deslocavam em busca de vendedores e compradores de moedas, mercadorias, metais nobres, fretes de navio, etc, ...até ser fundada, em 1845, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a mais antiga do Brasil. Em 1890 foi criada a Bolsa de Valores de São Paulo Bovespa - que, com a evolução do mercado acionário e acordos de integração, concentrou a partir do ano 2000 todas as operações com ações brasileiras.
A primeira empresa no mundo a abrir o seu capital (IPO - Initial Public Offering) foi a Dutch East India Company, o que possibilitou que ela se tornasse a primeira multinacional no mundo. E ela o fez pelas mesmas e principais razões que as empresas atuais fazem um IPO hoje - levantar recursos para construir ou fazer crescer o seu negócio. Com um mercado para suas ações e títulos, ela se tornou provavelmente a maior potencia de negócios relativamente na história mundial, com 50.000 empregados naquela época, uma armada com 40 navios, 20.000 marinheiros e 10.000 soldados. Em 1667, ela fez um negócio que garantiria para sempre sua presença na história - trocou com os ingleses um pequeno entreposto comercial da América do Norte pela Ilha de Run, rica em noz- moscada...este entreposto, de nome Nova Amsterdan, nada mais era que a atual Ilha de Manhattan. O preço da ação valorizou-se após o IPO - 15% no primeiro mês, 300% nos primeiros 20 anos, com dividendos médios neste período de 18% a.a.. Como a expectativa de vida era baixa no século XVII, estes dividendos eram muito importantes e a empresa chegou a distribuir em um ano um lucro recorde equivalente a 75% do preço da ação. A Holanda como um todo foi revitalizada enquanto a empresa durou, até o final do século XVIII.
Evolução do Mercado de Capitais Brasileiro
Com a crescente globalização e maior presença do capitalismo no mundo atual, cada vez mais as grandes empresas vem assumindo dimensões mundiais nesses últimos 50 anos. Neste contexto, de empresas “corporações” abertas em bolsa - sem acionista majoritário - no mundo desenvolvido, e de empresas familiares que vão ao mercado à procura de novos sócios no mundo emergente, a governança corporativa vem assumindo um papel de crescente importância para alinhar os interesses e objetivos de todos os acionistas e a alta direção da empresa. A separação entre propriedade e gerencia empresarial, assim como as diferenças entre acionistas majoritários e minoritários - quando existirem, obrigam a regras de transparência e prestação de contas rígidas para que nenhuma das partes seja prejudicada.
Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, em 2006, “governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas / cotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria independente e conselho fiscal... as boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade”. Um dos fatores que constituem o freqüente debate deste tema se dá pela abertura do mercado mundial, em que, quanto maior for a participação de um país no mercado internacional, maior será a atração de investimentos para o mercado interno. No Brasil, com a crescente participação de investidores estrangeiros no nosso mercado de capitais, é natural que tenha-se exigido um padrão de governança corporativa mais elevado.
Várias ações foram tomadas neste sentido nos últimos anos. Em 1995 foi fundado o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, que lançou em 1999 o primeiro código de melhores práticas de governança corporativa. Em 2000, foi criado pela Bovespa o Novo Mercado, um segmento de listagem que se destina à negociação de ações emitidas por empresas que voluntariamente se comprometam à adoção de práticas de governança corporativa adicionais em relação ao que é exigido pela legislação. Foram criados também os níveis 1 e 2 de governança corporativa, como estágios de transição para o Novo Mercado. A adesão a estas normas de conduta que estão dispostas no quadro 1 distingue a empresa, dependendo do grau de compromisso assumido.
A companhia será classificada no Nível 1, se assumir um comprometimento com melhorias na qualidade das informações dadas ao mercado e com pulverização acionária, ou no Nível 2, no qual, além das obrigações contidas no Nível 1, a empresa adota um conjunto mais amplo de práticas de governança. A grande diferença do Novo Mercado para o Nível 2, é que as empresas não tenham ações preferenciais sem direito a voto, mas apenas ações ordinárias com direito a voto em sua estrutura de capital, garantindo que todos os acionistas tenham proporcionalmente o mesmo direito dentro da companhia. Portanto, hoje em dia, existem quatro segmentos diferentes para a classificação das ações na Bovespa, que são: mercado tradicional (385 empresas), Nível 1 (36 empresas), Nível 2 (14 empresas) e Novo Mercado (40 empresas).
Recentes IPOs e Exemplos de Governança em Empresas Familiares
Todas as empresas que abriram o seu capital nos últimos três anos estão listadas em um dos níveis diferenciados da Bovespa - vide Quadro 2, o que por si só já mostra o perfil de exigência do atual investidor, o padrão de comprometimento do empresário brasileiro e o amadurecimento do nosso mercado de capitais.
É interessante notar que 44% do montante total das ofertas públicas nos últimos 3 anos foi obtido por ofertas secundárias, onde o acionista controlador das Cias. vende parte de suas ações para novos acionistas minoritários. Esses acionistas vendedores geraram para si liquidez a partir de suas ações e podem agora diversificar seus investimentos financeiros. Essas ofertas secundárias servem também para a saída de sócios descontentes com uma companhia, com a permanência dos demais controladores.
Em recente estudo promovido pelo IBGC (Governança Corporativa em Empresas de Controle Familiar, Casos de Destaque no Brasl, Saint Paul Editora, 2006), foram selecionadas 15 companhias para serem analisadas sob a ótica de melhores práticas de governança corporativa. Em relação aos níveis da Bovespa, duas empresas estão no Novo Mercado - Natura e Localiza, cinco optaram por listar-se no Nível 2 - Gol, Marcopolo, Net, Saraiva e Suzano Petroquímica, e oito estão listadas no Nível 1 - Gerdau, Itaú, Klabin, Pão de Açúcar, Randon, Sadia, Ultrapar e Weg.
Este estudo mostrou que os resultados destas empresas são muito melhores que os da média de todas as empresas listadas na Bovespa. Em relação à rentabilidade, as empresas da amostra obtiveram um retorno sobre patrimônio líquido médio de 27% contra 12% para todas as outras ações, margem EBITDA de 20% contra 14%, margem operacional de 15% contra 10% e margem líquida de 9% contra 5% das empresas abertas como um todo. Em relação a valor de mercado, o índice preço/lucro - P/L destas empresas foi de 15,4 contra 8,1 de todas as empresas listadas na Bovespa no período. Quanto à distribuição de dividendos, as empresas do estudo apresentaram um índice de payout médio de 38% - dividendo por ação pago em relação ao lucro por ação no mesmo período, enquanto o payout do mercado foi de 30%.
Portanto, segundo o IBGC “as empresas de controle familiar analisadas neste estudo são, em média, maiores, mais valiosas, com maiores múltiplos de mercado, mais rentáveis operacionalmente, mais líquidas, pagadoras de maiores dividendos, mais solventes no curto prazo e mais alavancadas do que a média de todas as empresas listadas na Bovespa”. De um modo geral, pode-se ver no Gráfico abaixo, que a média de todas as companhias que aderiram aos níveis de governança corporativa apresentaram um retorno muito superior ao índice Bovespa a partir de 2001, quando foi criado o IGC índice de ações com governança corporativa diferenciada, hoje com 78 companhias.
IPOs - Vantagens e Desvantagens
O Brasil vive uma explosão no número de IPOs. Somente em 2005 e 2006, 23 empresas tornaram-se públicas. Neste quadro, achamos importante listar alguns fatores a favor e outros contra o IPO, de acordo com a estratégia da empresa.
Vantagens:
- acesso a uma nova fonte de financiamento (embora não seja a forma mais barata de captação), permitindo que empresas em crescimento diversifiquem seu “funding”entre capital de terceiros, próprios, dívida e geração de caixa.
- a empresa tende a se profissionalizar, com melhora na governança, já que passa a ser observada mais rigorosamente com feed back imediato do mercado, precisando ser transparente em sua gestão.
- melhor acesso à crédito devido ao fortalecimento da imagem institucional.
- propicia saída total ou parcial de investidores de venture capital, private equity e até dos empreendedores originais.
- a liquidez patrimonial com valor definido pelo mercado faz com que qualquer sócio possa transformar suas ações em dinheiro, facilitando o processo sucessório e de partilha da herança, proporcionando uma saída para os que não querem continuar na empresa.
Desvantagens:
- menor flexibilidade nas decisões, perda da confidencialidade de suas informações estratégicas, assim como necessidade de convivência com novos sócios.
- as ações em um IPO tendem a ser negociadas abaixo do fair price, diante das incertezas em relação ao preço inicial e dos riscos relacionados ao processo de colocação.
- o processo de IPO envolve o trabalho de bancos de investimentos, gestores, contadores, advogados, consultores externos, fazendo com que o custo de colocação seja alto (estudos no mercado americano mostram que estas despesas podem chegar a 17% da captação).
- como dissemos antes, o IPO não é a forma mais barata de captação, pois ainda envolve adicionalmente o custo de capital do acionista , que é normalmente superior ao custo da dívida (custo de capital do acionista é o seu custo de oportunidade, equivalente ao retorno esperado em um investimento de risco semelhante).
- a necessidade de divulgação para o público de dados financeiros faz com que o custo de se manter uma empresa aberta seja alto.
Conclusão
O momento da companhia e de seus acionistas, a expectativa do preço potencial da ação em relação ao lucro esperado e a estratégia de longo prazo da empresa vão ser os fatores preponderantes para avaliar se é correta e oportuna uma decisão de abertura de capital. No caso de uma empresa familiar, além do Conselho de Administração da própria empresa com membros independentes, há a necessidade de criação de um espaço de reflexão para a própria família o Conselho Familiar, onde estes assuntos possam ser discutidos levando em conta os planos para o futuro, o planejamento sucessório e a intensidade do envolvimento com a gestão da empresa.