Cartas

Carta 18

novembro | 2012

1. O Papel do Hedge nos Portfolios de Investimento

Desde a crise de 2008, nenhum tema despertou mais interesse e debate no mundo dos investimentos do que o tema gestão do “risco de cauda” (evento extremo com potencial de impacto relevante, mas que possui baixa probabilidade de acontecer). O conceito e a prática deste termo tem estado sujeito a diversas interpretações e definições, mas, o que está por trás desse caloroso debate é o desejo dos investidores de possuir algum tipo de proteção em seus portfolios em um mundo cada vez mais difícil de navegar e após as cicatrizes deixadas pela crise de 2008. A busca incessante por algum tipo de hedge não é de hoje, ela sempre existiu em alguma forma, mas a complexidade e o tamanho dos desafios com que a economia global se defronta hoje suscitam um interesse mais ativo neste tema. Não existe uma definição oficial do que é o hedge, mas, poderíamos defini-lo no sentido mais comum como uma ferramenta de gestão de risco utilizada para limitar ou mitigar a probabilidade de perdas decorrente de flutuações nos preços de ativos. Contudo, podemos dizer que o hedge é um conceito mais amplo do que esta simples definição conforme veremos mais adiante.

Conceito

A melhor maneira de entender o que é um hedge é compará-lo com o conceito de um seguro. Quando um investidor ou indivíduo decide fazer um hedge, ele está buscando se proteger contra um evento que lhe será prejudicial. Isso não elimina a possibilidade da ocorrência do evento, mas, caso ele ocorra e o investidor tiver feito o hedge corretamente, o impacto sobre o investidor será reduzido. A utilização de algum tipo de hedge ocorre quase que diariamente em muitos aspectos da vida de um indivíduo. Por exemplo, se alguém faz um seguro sobre a sua casa, essa pessoa está se protegendo da ocorrência de um evento que possa danificar o imóvel (incêndio, roubo, etc.). O mesmo conceito equivale para o seguro de um automóvel. Ambos podem ser considerados uma espécie de hedge.

 

Um típico comprador de hedge seria um fazendeiro. O preço de mercado do trigo e de outros grãos flutua constantemente de acordo com as condições de oferta e demanda no presente e no futuro, acarretando movimentos de preço às vezes significativos em ambas as direções. Baseando-se em preços correntes e projetados o fazendeiro poderia decidir que plantar trigo hoje seria uma boa decisão. Contudo, preços são voláteis e projeções de preços futuros, especialmente nesse setor, são sujeitas a muitas incertezas. No momento em que o fazendeiro decide ir em frente com a plantação do trigo, ele está se comprometendo com uma safra inteira e está sujeito às oscilações de preço do seu produto. Se o preço do trigo subir consideravelmente entre o plantio e a colheita, o fazendeiro terá uma bela surpresa em termos de lucro. Entretanto, se o oposto ocorre e o preço cai, o fazendeiro poderá incorrer em prejuízos consideráveis, podendo inclusive comprometer o seu negócio. Para mitigar esta incerteza e não especular com preços futuros de sua mercadoria, o fazendeiro fecha no momento do plantio, um número de contratos futuros de venda de trigo cujo montante é equivalente ao de sua safra esperada. O contrato futuro em questão é um acordo entre duas partes para entrega de uma determinada quantidade de trigo em um local e data especificados a um determinado preço. Com isso, o fazendeiro consegue “hedgear” a sua exposição indesejada à oscilação do preço do trigo já que ao fechar o contrato, garantiu um preço de venda para sua safra.

 

Técnicas, custo e instrumentos

Investidores e empresas utilizam técnicas de hedge diariamente para reduzir a sua exposição a diversos tipos de riscos. No entanto, em alguns desses casos, a prática do hedge se torna um pouco mais complexa do que simplesmente o pagamento de um prêmio anual para a seguradora. Em muitos casos, um investidor protege ou faz um hedge de um investimento realizando outro investimento. Tomemos como exemplo o caso de um investidor que está otimista com uma ação do setor imobiliário (ação A), mas está neutro com relação às perspectivas para o setor como um todo. Este investidor pode querer “hedgear” a sua exposição ao setor e ao mercado em geral vendendo a ação de outra empresa do setor (ação B). Assim, o investidor terá uma posição comprada na ação A e outra vendida na ação B. Se as perspectivas para o setor imobiliário sofrerem um revés e o investidor estiver certo na sua análise das duas empresas, um cenário provável é que a ação A caia menos do que a ação B. Neste caso, se o investidor tiver protegido 100% da sua exposição é provável que tenha lucro já que, ele está vendido na ação que caiu mais. Esse é o tipo de operação que um fundo Long Short faz. No exemplo acima, o investidor também poderia optar por vender um índice ou uma cesta de ações do setor imobiliário para proteger a posição comprada em A. O investidor também poderia optar por proteger apenas uma parcela da sua posição e não 100% como no exemplo. Como veremos mais a frente, essas nuances tornam o hedge uma ferramenta não trivial e sujeita a um grau elevado de subjetividade.

 

Um dos primeiros conceitos que aprendemos em economia é o de que não existe almoço grátis. No caso do hedge não é diferente. Existem custos para todo e qualquer instrumento de hedge que devem ser levados em consideração. Quando vendemos uma ação que não temos, apostando que ela irá se desvalorizar, existe um custo de aluguel a ser pago ao proprietário da ação independente do que aconteça com o seu preço. No exemplo acima, o investidor concordou em pagar um aluguel ao proprietário da ação B para poder vender a ação. Se o custo do aluguel da ação fosse excessivo, o hedge poderia se tornar inviável já que a ação teria que cair consideravelmente para que o hedge, mesmo dando certo, começasse a superar o custo incorrido. Outro conceito importante a ser avaliado é o fato de que o hedge, na grande maioria dos casos, é uma técnica cujo objetivo não é ganhar mais dinheiro e sim reduzir potenciais perdas e/ou eliminar determinados fatores de riscos. Se o investimento que um investidor está querendo proteger ou “hedgeando” se valorizar, ele tipicamente terá o seu lucro reduzido pelo hedge. Se o investimento se desvalorizar, e o hedge funcionar, ele terá reduzido a sua perda. No caso exemplificado acima, se as duas ações tivessem valorizado em virtude de uma melhora nas perspectivas para o setor, a posição vendida na ação B seria um detrator do lucro na ação A.

 

Técnicas de hedge podem envolver o uso de instrumentos financeiros complexos conhecidos como derivativos. Os mais comuns entre eles são as opções e os contratos futuros. Outros instrumentos que também podem ser utilizados para fazer hedge são ações, ETFs (Exchange Traded Funds), seguros, swaps, entre outros. A grande vantagem das opções é a de que trata-se de um instrumento de perda limitada quando se é o comprador da opção. O caso do fazendeiro mencionado neste texto é um exemplo de hedge envolvendo o uso de derivativos, no caso um contrato futuro.

 

Timing e a escolha do instrumento

O melhor momento para montar um hedge é quando o mercado está otimista e o nível de volatilidade está baixo, pois, é neste momento que os custos da proteção estão mais baratos. Imagine-se caminhando pela rua do seu bairro num dia ensolarado sem nuvens no céu e um vendedor de guarda-chuvas na esquina lhe oferece um guarda chuva por 50 centavos. Você rejeita a oferta e segue caminhando até o seu restaurante favorito imaginando que a possibilidade de chuva num dia como esse é remota. Além disso, se parabeniza por ter evitado gastar dinheiro em algo desnecessário. Duas horas depois quando você sai do restaurante e olha para o céu, observa nuvens cinza e já sente pingos de chuva caindo sobre a sua cabeça. Em questão de segundos, a chuva começa apertar e você aperta o passo para não ficar encharcado. Ao se aproximar da próxima esquina, você se depara com o mesmo vendedor de guarda-chuvas que lhe havia oferecido o produto por 50 centavos. Você prontamente tira 50 centavos da sua carteira e lhe pede um guarda-chuva. O vendedor lhe responde que o preço do guarda-chuva subiu para 10 reais! O exemplo que acabamos de mencionar é uma analogia que demonstra o quanto é difícil para o investidor abrir mão de parte da rentabilidade esperada para possuir uma proteção quando o cenário é de céu de brigadeiro e não se vislumbram tempestades no horizonte. No caso do fazendeiro, o preço do trigo poderia nos últimos anos ter apresentado forte valorização e seu preço triplicado. Poderia existir uma expectativa no mercado de que este movimento de alta pudesse continuar, pois a demanda continuava muito elevada. O incentivo para o fazendeiro seria não fazer o hedge da plantação, mas ele opta por ser conservador e proteger seu ganho no nível de preço atual. Os meses iriam passando e o preço do trigo poderia continuar subindo, e o fazendeiro poderia começar a se questionar se fez a coisa certa, pois os fazendeiros vizinhos não fizeram o hedge e estão comemorando a alta do preço do trigo e a perspectiva de lucros recordes. No entanto, de uma hora para outra o preço do trigo poderia despencar 50% e os fazendeiros que não se protegeram se viriam em apuros, pois estavam projetando suas receitas a um preço muito diferente do nível que estaria atualmente. Neste momento, o fazendeiro que fez a proteção conseguiria sobreviver e alguns dos seus colegas encontrariam-se falidos. O exemplo acima mostra como é difícil assumir uma posição contrária a da maioria e manter-se fiel a ela. Podem passar meses e até anos até que a sua posição se mostre acertada. Todavia, quando o evento acontece, o conservadorismo tem uma grande recompensa. Nos momentos em que a volatilidade está baixa, o melhor instrumento para o hedge são as opções, pois, caso ocorra um forte movimento de aversão a risco sua proteção aumenta. Em períodos de estresse, o uso de índices futuros se torna a melhor alternativa.¹

 

Tamanho, risco de descasamento e fatores de risco

Uma das maiores dificuldades na definição do hedge é definir o tamanho do mesmo. O investidor deve ter em mente o quanto ele está disposto a abrir mão de rentabilidade para ter uma proteção. O hedge não pode ser grande demais a ponto de ele detrair toda a rentabilidade que o investidor obtém nos ativos nos quais ele está alocado nem pequeno demais a ponto de não proteger a carteira de forma significativa. Voltemos ao exemplo do investidor que comprou a ação A e vendeu a ação B. Suponhamos que o investidor tivesse calibrado a venda na ação B de modo que a sua exposição financeira na ação A fosse igual a sua exposição financeira na ação B, e as duas ações tivessem valorizado no mesmo percentual no período do investimento. Neste caso, o investidor teria exagerado no tamanho do hedge já que não só a valorização da ação B teria “comido” a rentabilidade da ação A como o custo do hedge em B faria com que o investimento registrasse um prejuízo! A definição do tamanho do hedge é bastante subjetiva e varia de acordo com as preferências de cada investidor. Não existe regra. Porém, o investidor deve ficar atento a este ponto para não proteger de mais ou de menos.

Outro risco importante a ser destacado é o risco de descasamento. No mesmo exemplo que acabamos de mencionar, assumimos que a ação A e a ação B registraram a mesma valorização percentual no período do investimento. Na maioria dos casos, no entanto, isso não ocorre. A ação A pode valorizar mais do que a ação B, a ação B pode valorizar mais do que a ação A, a ação A pode cair menos do que a ação B e a ação B pode cair menos do que a ação A. Todavia, em todos estes casos, estamos assumindo que as duas ações caem ou sobem na mesma direção. O que muda entre elas é a magnitude das quedas e das altas. Nos casos em que ação B sobe mais ou cai menos do que a ação A, o descasamento é desfavorável ao investidor. O pior caso de descasamento ocorre quando a ação A cai e a ação B sobe! Neste caso, o investidor perde dinheiro na posição e no hedge. Vale ressaltar que nos momentos em que o investidor está desconfortável com o risco que possui na carteira, a melhor forma de se proteger é vender o próprio ativo eliminando a possibilidade de descasamento entre o hedge e a posição.

 

É muito importante para o investidor ou a empresa que deseja fazer um hedge mapear os fatores de risco aos quais os seus investimentos estão expostos, de forma a tornar a escolha do hedge o mais eficiente possível. Mais uma vez utilizaremos o segundo exemplo deste texto para ilustrar esse ponto. Ao comprar a ação A, o investidor não só está exposto ao risco do negócio da empresa A e as decisões e a competência da sua alta gerência como também está se expondo a uma série de outros riscos que afetam direta ou indiretamente o presente e o futuro da empresa. Dois exemplos deste tipo de riscos seriam o risco setorial e o risco de mercado. A explosão dos custos de mão de obra e dos insumos da construção civil foi um fenômeno setorial que afetou todas as empresas do setor imobiliário e a percepção dos investidores em relação a elas. A eclosão da crise de crédito de 2008 foi um fenômeno macroeconômico global que afetou as economias de todos os países negativamente impactando o preço das ações em escala mundial. Os dois eventos citados acima afetam negativamente o preço da ação A independente da competência da sua equipe de gestão e dos resultados que a empresa vem apresentando. O investidor poderia tentar mitigar esses riscos fazendo um hedge utilizando um índice do setor de construção civil ou uma ação do setor. O instrumento escolhido poderia ser desde uma opção a venda de uma ação como foi o caso do exemplo.

 

Na maioria dos casos, um investidor que possui uma carteira de ações e que gostaria de se proteger da ocorrência de um evento de estresse, compra algumas opções de venda ou vende contratos futuros. A forma mais comum de hedge/proteção é utilizar ativos que sejam ligados ao índice de mercado – Índice Bovespa no caso do Brasil e Índice S&P 500 no caso dos Estados Unidos. A grande vantagem deste instrumento é a sua liquidez. No caso do mercado brasileiro, existe uma peculiaridade, uma vez que o Índice Ibovespa é muito concentrado em algumas empresas e setores específicos. Caso opte for fazer hedge no Ibovespa, o investidor deve estar consciente de que sua carteira pode apresentar um grande descasamento com o índice, não lhe conferindo a proteção inicialmente esperada. Portanto, torna- se fundamental para o investidor conhecer profundamente a sua carteira de ações para poder mapear corretamente os fatores de risco aos quais ela está exposta, de forma a minimizar qualquer potencial descasamento.

 

Risco desconhecidos e o papel do caixa

Achar as sensibilidades a diversos fatores de risco não é uma tarefa fácil. Em períodos de forte estresse é comum a quebra de correlações e movimentos que são observados em janelas de tempo anteriores podem ocorrer de maneira totalmente oposta. A crise de 2008 foi um exemplo claro da quebra de correlações. Além disso, por mais que o investidor tente mapear todos os riscos, os piores eventos ocorrem com riscos que não estavam mapeados. Ao montar um hedge é preciso ter em mente que é impossível se proteger de todos os riscos.

 

No caso do fazendeiro, o agricultor conseguiu se “hedgear” de uma variação no preço do trigo, porém, ele continua exposto a outras variáveis que podem impactar a sua plantação. Durante o plantio, o agricultor pode ter feito toda a prevenção possível, utilizando produtos para se proteger contra pragas que poderiam destruir a safra. O fazendeiro poderia imaginar que havia tomado todos os cuidados necessários para proteger a sua plantação, porém, o surgimento de uma nova praga, resistente aos produtos utilizados, a destrói. Por mais que o investidor tente se proteger, sempre existem eventos imprevisíveis que acabam impactando o resultado.

 

Não podemos nos esquecer da forma mais antiga, simples e menos valorizada de proteção para um portfolio de investimentos – o caixa. Se o investidor está preocupado com um evento de ruptura, iliquidez e quedas abruptas nos preços dos ativos financeiros, porque não manter uma parcela do portfolio em caixa, o ativo mais líquido que existe? Além de não sofrer desvalorização em um momento de estresse, o caixa permite ao investidor a possibilidade de ser o provedor de liquidez para vendedores desesperados a preços bastante atrativos. Cabe citar a famosa frase do Barão de Rothschild, “Compre quando houver sangue nas ruas, mesmo que o sangue seja o seu.” Apenas o investidor que estiver líquido (com caixa) neste momento e em uma situação em que não precise ser o vendedor “forçado”, poderá seguir este famoso conselho. É bem verdade que, neste ambiente de impressão em massa de papel moeda por parte dos principais bancos centrais e a expectativa de um ambiente inflacionário mais a frente, possuir caixa torna-se um investimento custoso, pois, o valor real do dinheiro vai sendo erodido com o tempo. Porém, como já disse uma vez Warren Buffet, “Ter caixa é desconfortável, mas, não mais desconfortável do que fazer algo estúpido com ele.”

 

Conclusão

Viemos comparando o hedge com o seguro, mas é importante ressaltar que existem diferenças fundamentais entre ambos. O seguro é muito mais preciso do que o hedge já que no caso de um sinistro o detentor do seguro é totalmente compensado pela sua perda. O hedge é mais uma arte do que uma ciência e existem muitas coisas que podem não funcionar como pudemos ver ao longo do texto. É muito difícil um investidor conseguir o hedge perfeito. Existem riscos conhecidos e riscos desconhecidos. Ao montar o hedge o investidor tenta se proteger dos riscos conhecidos e ainda assim, as peculiaridades e as dificuldades com que o investidor se defronta para fazê-lo de forma eficiente são enormes conforme pudemos ver ao longo do texto. Os riscos desconhecidos são praticamente impossíveis de “hedgear”, pois, é como se o investidor estivesse atirando em um alvo invisível. A história nos ensina que eles existem e que de tempos em tempos aparecem para nos surpreender.

Em um mundo cada vez mais complexo, é preciso correr mais riscos para obter retorno e preservar o capital no longo prazo. O problema é que no ambiente atual de investimentos os eventos extremos e os riscos desconhecidos passam a ter uma probabilidade cada vez maior. Dentro deste contexto, o investidor precisa criar alternativas de hedge inteligentes, possuir uma boa diversificação de ativos e instrumentos, e ser mais flexível nas suas convicções e posições para que, caso ocorra um evento que lhe seja prejudicial, ele consiga preservar o seu patrimônio.

1. Apesar de não ser o intuito desta carta entrar em detalhes mais técnicos, cabe uma explicação sobre o que afeta o preço das opções, o chamado prêmio. As “gregas” são variáveis derivadas da fórmula Black & Scholes (modelo padrão para precificação de opções) que mostram a sensibilidade e o comportamento do preço da opção em relação a quatro fatores:
- Mudança no Preço do ativo subjacente - Delta
- Mudança na Taxa de Juros - Rho
- Mudança na Volatilidade do ativo subjacente - Vega
- Mudança no Tempo - Theta

Cada grega mede um aspecto diferente na formação do preço da opção. A grega vega costuma ser importante quando falamos de opções que estão fora do dinheiro já que este tipo de opção tem o seu preço formado principalmente pela volatilidade. Quando a volatilidade implícita no preço das opções está baixa, a opção está barata. Nessa mesma linha, quando a volatilidade implícita no preço das opções está alta, a opção está cara. Logo, o melhor momento de utilizar a opção como instrumento de hedge é quando a volatilidade implícita no seu preço está baixa. Quando dizemos que a opção está fora do dinheiro, nos referimos ao fato de que o preço de exercício dela está longe do preço atual do ativo subjacente. Por exemplo, se o investidor comprou uma opção de compra sobre o Índice Ibovespa, que no momento da compra estava cotado a 58.500, com vencimento daqui a um mês e com preço de exercício a 65.000, ele possui uma opção fora do dinheiro. Se o preço atual se mantiver estável até a data de exercício da opção, o investidor não exercerá o seu direito de compra e perderá o dinheiro que gastou para comprar as opções.

2. Seguro para Diretores e Administradores (D&O)

Por Diógenes Gonçalves - Pinheiro Neto Advogados

 

Ao longo das últimas décadas no Brasil, os Diretores e Administradores de empresas (também denominados 'D&Os') têm experimentado uma crescente responsabilização pessoal pelos atos de gestão seus e de seus colegas.

Parte desse aumento decorre da responsabilidade social cada vez mais presente, já que certas condutas podem causar efeitos a milhões de pessoas integradas na economia de mercado, tais como danos derivados de produtos impróprios ao consumo, danos ao mercado de valores mobiliários, danos ambientais, etc.

Outra parte desse incremento de punição pessoal decorre da nossa estrutura e cultura social. Nesse ambiente, as autoridades legisladoras, reguladoras e fiscalizadoras estão cientes da ineficácia estatal para vigiar as empresas. E para piorar essa sensação, ainda sobrevivem nas mentes de alguns certos maniqueísmos e arquétipos de que a posição de poder e comando de uma empresa estaria associada necessariamente à sensação de impunidade do D&O, escudada pela pessoa jurídica.

Somado a esses fatores está o problema do tempo e da preocupação do D&O. Bem se sabe que os D&Os têm que gerir pessoas e problemas no dia a dia. Precisam ter foco nisso. Não podem ter suas atenções desviadas por procedimentos administrativos e processos judiciais que tendem a se arrastar por anos e a envolver pessoas que, ao final, não necessariamente são condenadas. Durante esse longo período de incômodo, com penhoras online de contas bancárias, defesas em procedimentos e processos, audiências e trocas de posição de uma empresa para outra, os D&Os têm de continuar a pensar em seus trabalhos e a gozar da integridade de seus patrimônios.

É na interação desses e de outros fatores de mercado que se tem potencializado a oferta de garantias aos D&Os. Hoje em dia, é muito raro um D&O aceitar um cargo numa empresa relevante sem que esteja em seu pacote de benefícios uma garantia de integridade patrimonial pessoal.

Garantias aos D&Os: Como forma de resguardar a integridade patrimonial de seus D&Os, as empresas oferecem pacotes diversos de garantia. Dentre os principais, tem-se (i) a Carta de Conforto, também denominada de 'Hold Harmless', e (ii) o Seguro D&O.

A Carta de Conforto consiste numa promessa da própria corporação para quem o D&O trabalha de que tal profissional terá assegurado, pela corporação, o custeio de sua defesa e dos ônus patrimoniais, caso o D&O seja demandado pelos seus atos de gestão em geral. Em regra, essa garantia ressalva que não haverá tal cobertura se a conduta imputada ao D&O for, ao final, considerada como dolosa, ou seja, como tendo sido implementada com a intenção de violar a lei e/ou os estatutos.

A fragilidade desse tipo de garantia está no fato de que a demanda por responsabilização pode vir justamente da própria corporação ou pode, ainda, vir de um terceiro que acuse o D&O e a corporação de suposto conluio para prejudicar investidores ou o mercado. Nestas circunstâncias, há potencial de conflito entre os interesses da corporação e do D&O, pelo que já se verificou casos em que a corporação não honrou, por vontade própria ou por ordem judicial, a Carta de Conforto.

Já o Seguro D&O consiste numa garantia melhor qualificada. Trata-se de uma garantia dada por uma seguradora, independente, que constitui reservas para fazer frente às suas obrigações, com capacidade financeira controlada por auditores, e autorizada e fiscalizada pela Superintendência de Seguros Privados (“SUSEP”) para realizar essa atividade.

O Seguro D&O visa a resguardar o D&O dos ônus patrimoniais relativos, primordialmente, aos custos de defesa e de eventual condenação, nos limites indenizatórios da apólice, desde que, ao final, não seja declarada a ocorrência de dolo na conduta do D&O.

Estrutura do Seguro D&O: O Seguro D&O consiste numa apólice de seguros com condições pré-determinadas para a cobertura indenizatória. Ali, estão previstos, dentre outros:

(i) a promessa de cobertura securitária às pessoas que tenham poder de gestão na corporação, geralmente sem a necessidade de individualização dos dados pessoais, nomeações, etc.;
(ii) o período de cobertura, podendo haver retroatividade limitada ou ilimitada de tal cobertura para eventos até então desconhecidos;
(iii) a natureza das matérias que estão sujeitas à cobertura, tais como questões de Direito do Consumidor, Direito Ambiental, Direito Civil e Comercial, Direito Tributário, Direito Previdenciário, Direito Trabalhista, Mercado de Capitais, Direito Penal, etc.;
(iv) a cobertura e os limites de valor de cobertura para custos de defesa, com advogados escolhidos livremente pelo D&O – desde que em bases de preço e prestação de serviços adequados – bem como custas processuais, honorários periciais, e despesas congêneres;
(v) a cobertura e os limites de valor de cobertura para indenização em eventual condenação derivada de ato culposo [i.e. ato sem a intenção de violação da lei ou estatuto social], bem como em caso de acordos judiciais ou administrativos, com prévia autorização da seguradora;
(vi) o dever de revelar fatos de conhecimento do segurado ou da corporação que possam representar perdas concretas ou agravamento de risco;
(vii) a cobertura para eventos urgentes, como penhora online, despesas imediatas com a mídia para evitar crises em mercado, bloqueio de bens, etc.;
(viii) o dever de avisar imediatamente um potencial ou efetivo sinistro [i.e. evento danoso previsto como indenizável pela apólice], de forma a se evitar o agravamento pelo decurso de tempo e permitir acompanhamento pela seguradora quanto ao desenvolvimento da reclamação contra o D&O;
(ix) a sobrevivência da cobertura para períodos posteriores à vigência da apólice [i.e. Prazo Complementar e Prazo Suplementar];
(x) a aplicação e a extensão das franquias, ou seja, se haverá e, se houver, qual será a co-participação do D&O nos ônus de cada evento coberto pela apólice, tal como pagar parte do valor da perda, suportar alguns dias a penhora online, etc.; entre outros.

Adaptações da apólice: Na estrutura das apólices, há condições gerais padronizadas. Porém, elas podem ser modificadas por condições particulares ou especiais previamente aprovadas pela SUSEP. As apólices podem, ainda, ser adaptadas por aditamentos específicos, denominados pelo mercado como 'endossos'. Com isso, as coberturas são adaptadas às necessidades dos D&Os nas suas respectivas corporações. Essa adaptação pode ser relativa ao nicho de mercado da corporação, tal como uma corporação que explore atividades ligadas ao mercado consumidor massificado, ou ao momento da corporação, como, por exemplo, a realização de um IPO (i.e. abertura de capital da companhia perante a Bolsa de Valores).

Âmbito de aplicação: As coberturas do Seguro D&O servem às defesas e imposições de pagamento tanto em âmbito dos procedimentos administrativos, como nos processos judiciais. Exemplos de procedimentos administrativos são os inquéritos civis desenvolvidos pelo Ministério Público, Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), defesas administrativas por conta de autuações de corporações e seus D&Os em âmbito tributário e previdenciário, etc. Exemplos de procedimentos judiciais são os processos de responsabilização pessoal dos D&Os em que se imputa a eles condutas de violação aos estatutos sociais ou à lei, bloqueios patrimoniais dos D&Os, tais como as penhoras online, em processos onde não se encontrem bens da corporação para fazer frente às condenações havidas, etc.

D&Os atuais e desligados: As coberturas se aplicam aos D&Os ligados à corporação com relação à qual se contratou a apólice. Porém, alguns deles podem se desligar ou podem já se ter desligado de tais funções quando do advento da intimação ou citação para a defesa. Para essas situações de desligamento, é muito importante haver previsão expressa sobre as extensões de cobertura e os Prazos Complementar e Suplementar de cobertura a tais indivíduos desligados.

Valores das coberturas: A estrutura de uma apólice costuma prever limites de indenização para determinados tipos de garantia. Alguns desses limites servem a uma ou mais garantias prestadas, por exemplo, custos de defesa e indenização. Outros, em alguns casos, têm limites separados e que não se comunicam com os demais, como, por exemplo, despesas urgentes com mídia cujos limites não se confundem com os limites de custos de defesa. Na hora da contratação e dimensionamento da cobertura, é preciso estar atendo para esse tipo de questão. Tenha-se em mente que um seguro D&O é para um momento de crise, de grande exposição, portanto, deve estar dimensionado a isso e não ao perfil histórico de despesas incorridas em geral.

Restrições à cobertura quanto a multas: Outro tema relevante diz respeito ao crescimento da fiscalização da SUSEP quanto a coberturas relativas às perdas dos D&Os derivadas da aplicação de multas. A SUSEP considera a multa não como uma perda, mas como uma punição, e a punição derivaria de uma violação intencional, ou seja, de uma circunstância que, diante dessas premissas, não poderia ser objeto de seguro. Mesmo diante da imprecisa interpretação genérica da SUSEP – já que, no Brasil, violações civis têm sido criminalizadas como se houvesse dolo sempre e multas têm sido impostas por determinação legal independente da intenção ou contato direto do agente responsável – é preciso estar atento para as adaptações que as apólices tendem a sofrer nos próximos anos a respeito da cobertura para multas.

Acordos e suas naturezas: Por conta das restrições acima mencionadas quanto à cobertura para multas e em vista dos limites diferenciados entre indenizações e multas, houve alguma incerteza no mercado quanto à aplicação e extensão da cobertura securitária para acordos em procedimentos sancionadores administrativos. Aos poucos, consolida-se o entendimento de que os acordos têm pagamentos com natureza prevalentemente indenizatória, tal como ocorre nos Termos de Compromisso nos Procedimentos Administrativos Sancionadores da CVM, etc. Assim sendo, ao contratar uma apólice de Seguro D&O, é preciso bem observar como a cobertura contratada trata da questão de acordos e de suas naturezas.

Interpretações de cada seguradora: Outro elemento importante na contratação do Seguro D&O diz respeito à redação do clausulado e à forma como a seguradora que emitiu a apólice interpreta tal clausulado. Cada seguradora submete seu produto à SUSEP e tem uma cultura própria de interpretação. Assim, antes de contratar uma apólice, é preciso discutir algumas situações práticas, de maneira a melhor compreender qual a extensão e qualidade do produto a ser contratado.

Contratação direta ou por corretor: Mesmo diante da possibilidade de se contratar diretamente um seguro com uma seguradora, é aconselhável àqueles que não estão acostumados e nem têm experiência com esse tipo de produto que busquem a assessoria de corretores de seguros. Os corretores poderão guiar os interessados através dos termos técnicos e das expectativas de quem busca esse tipo de cobertura, adequando as coberturas a cada tipo de necessidade.

Conclusão: O Seguro de D&O consiste numa das melhores garantias para resguardar os patrimônios e interesses pessoais dos gestores e administradores de empresas ante os crescentes riscos de responsabilização pessoal deles na condução dos interesses das empresas. Com as coberturas para custos de defesa, indenizações e acordos nas esferas administrativa e judicial, dentre outras previsões, o Seguro D&O chegou a um grau de maturação e sofisticação tal que já é reconhecido como peça fundamental no pacote de benefícios a gestores e administradores no Brasil.

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